2.8.12

Já o Tempo se Habitua


Recordando Zeca Afonso no dia do 83.º aniversário do seu nascimento

Já o tempo
Se habitua
A estar alerta
Não há luz
Que não resista
A noite cega
Já a rosa
Perde o cheiro
E a cor vermelha
Cai a flor
Da laranjeira
A cova incerta

Agua mole
Agua bendita
Fresca serra
Lava a língua
Lava a lama
Lava a guerra
Já o tempo
Se acostuma
A cova funda
Já tem cama
E sepultura
Toda a terra

Nem o voo
Do milhano
Ao vento leste
Nem a rota
Da gaivota
Ao vento norte
Nem toda
A força do pano
Todo o ano
Quebra a proa
Do mais forte
Nem a morte

Já o mundo
Se não lembra
De cantigas
Tanta areia
Suja tanta
Erva daninha
A nenhuma
Porta aberta
Chega a lua
Cai a flor
Da laranjeira
A cova incerta

Entre as vilas
E as muralhas
Da moirama
Sobre a espiga
E sobre a palha
Que derrama
Sobre as ondas
Sobre a praia
Já o tempo
Perde a fala
E perde o riso
Perde o amor