Traços da personalidade da Dra. Maria do Rosário Gama, mentora da APRe!-Associação de Pensionistas e Reformados, recém criada, podem retirar-se a partir desta entrevista que deu ao Diário de Notícias no final do ano de 2008. Era então Directora da Escola Secundária Infanta Dona Maria, considerada a melhor Escola Pública do País.
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"As pessoas dizem: 'Não tens medo de falar?'. Estava em Coimbra na crise académica de 69. Sei o que era o fascismo, não percebo por que havia de ter medo agora." Maria do Rosário Gama , 59 anos e "idade para ter juízo" é a nova protagonista da batalha dos professores contra o ministério. Hoje, vai estar na manifestação, apesar de reconhecer erros à luta. "Criou-se uma radicalização excessiva de um lado e de outro. E não concordei nada com o facto de o Mário Nogueira (FENPROF) ter assinado um compromisso quanto à avaliação dos professores. Não estava mandatado para isso e agora teve de voltar atrás, o que não é muito sério." De resto, saiu do sindicato. "Fi-lo há bastante tempo, porque achei que se preocupava demasiado com os salários. Aliás, antes desta situação e de os professores serem obrigados a estar mais tempo na escola disse muitas vezes que íamos pagar caro aquilo que se passava – a degradação da imagem de professor. O facto de haver quem desse 12 horas por semana e fosse para casa, de haver gente que claramente não tinha gosto em ensinar. As pessoas têm de gostar dos alunos. Houve muitos anos de laxismo e as coisas tinham de mudar. "Quando mudaram, porém, foi, na sua opinião, demais. "Acho importante que os professores passem mais tempo na escola – se calhar quando isto for publicado vão dizer mal de mim - porque isso permitiu mais coordenação, mais aulas de apoio. Mas criaram-se grandes injustiças com o novo estatuto da carreira docente e o regime de avaliação está mal feito, pode levar a uma distorção perigosa, por ter em conta os resultados dos alunos e o abandono escolar, por exemplo." Certificando ser "a favor de uma avaliação que realmente distinga os que trabalham dos que não trabalham", não assinou o documento em que 90 professores da sua escola informam o ministério da decisão de suspender a avaliação: "Nas minhas funções, achei que não o devia fazer". Mas defende a posição perante os jornalistas, com a autoridade acrescida que advém da posição da "sua" escola no ranking. "É um motivo de orgulho, embora não perceba muito bem porque é que outras escolas com o mesmo tipo sócio-económico de alunos e com professores igualmente bons não têm a mesma classificação. Aliás, umas das poucas coisas em que estou em acordo com a senhora ministra é que estes rankings são mentira, porque há escolas públicas excelentes. E é preocupante toda esta atenção sobre a escola e sobre mim. Embora a tenha aproveitado para falar das coisas que me preocupam". Coisas que vão determinar a sua aposentação, ao fim de 36 anos como professora, algures durante este ano lectivo, antes da nomeação do director, que deverá ocorrer em Maio de 2009. "Tenho muita pena, porque ensinar é uma paixão e não sei bem o que vou fazer a seguir. Mas tenho alergia à ideia de um director." Casada comum professor de filosofia - que trabalha na mesma escola - e mãe de um professor de biologia como ela (a outra filha trabalha num lar de idosos), Maria do Rosário nasceu no Alentejo, em Niza, filha de uma doméstica e do proprietário de uma fábrica de moagem. É a mais velha de três irmãs, uma das quais, formada em Medicina em Coimbra enquanto ela tirava Biologia na mesma universidade, já desaparecida. "Quando fui para Coimbra tirar o curso, todo o meu grupo era de Medicina. Queriam convencer-me a mudar. Mas no liceu de Évora tive uma professora de Biologia excelente. Achei que me realizava a seguir-lhe o exemplo. Comecei a dar aulas aos 23 anos, só com o bacharelato. As coisas nunca me correram mal, porque sou muito afectiva." Indisciplina garante nunca ter presenciado. "Nunca tive alunos muito difíceis com os quais sentisse que não conseguia fazer nada." Mas se afirma não haver rapazes maus, crê não ser possível desmontar completamente o modelo autoritário da escola. "Impus regras muito rígidas no regulamento, até já me chamaram fascista. Ninguém entra de boné na cabeça, acho que é uma regra social, e ninguém pode usar telemóvel. Se alguém está com um telemóvel na aula é retirado e fica na minha secretária, para que os pais o venham buscar. Já houve um pai jurista que me disse que não tinha o direito de o fazer. Mas há cacifos, os alunos podem muito bem deixar o telemóvel no cacifo. É importante haver regras."