6.12.13

Comida por Trabalho

"Comida por trabalho, já se pede em Portugal.
Querem-nos escravos e prisioneiros.

Um dia descobri os relatos de Viktor Frankl, médico e fundador da logoterapia, sobre a sua experiência como prisioneiro num campo de concentração na Alemanha e, especificamente, sobre os sonhos que os seus companheiros lhe contavam. Sonhos de esperança de libertação com data prevista e que, chegado o dia, não se cumpriam. A aproximação do Natal aumentava a esperança e desencadeava esses sonhos animadores, mas que, chegada a data, logo se perdiam no mais cruel abatimento. Não vale a pena relatar os fins trágicos destes desejos não cumpridos, mas transcrevo uma observação deste médico:
“Quem já não consegue acreditar no futuro – no seu futuro – está perdido num campo de concentração. Juntamente com a esperança no futuro, essa pessoa perde o apoio espiritual, deixa-se «cair» interiormente e decai física e psiquicamente […]” (V. Frankl, Sede de Sentido, Quadrante).
Trago esta experiência na véspera de mais um Natal e a poucos dias de se cumprir um ano de existência da APRe! O momento deve proporcionar uma reflexão sobre esta nossa curta viagem contra a injustiça que atinge a nossa geração e que, por tabela, atinge outras gerações.
O povo trabalhador e os reformados sofrem sucessivos embates que os empurram para graves dificuldades e para a pobreza. São anos e anos de fracassos e de desilusões. Olham para o futuro e não descobrem sinais de mudança. Não são exageradas as palavras dos que falam, hoje, também, em exterminação. Este clima, estas trombadas sucessivas, este campo de concentração que não tem anúncio do seu fim, do qual conhecemos os guardas mas que mantém distantes os seus arquitectos, pode tornar-nos moles, adormecidos, apenas esperançados na sorte, ignorantes da nossa força, frágeis pela idade e pela condição, desconfiados uns dos outros, espiritualmente deprimidos.
Se isto é verdade, para além das bandeiras que levantamos contra as medidas discriminatórias que nos atingem, temos que levantar, também, a bandeira contra o desânimo, contra a apatia, contra a vergonha que alguns parecem sentir por serem reformados, a favor da esperança que não podemos perder.
Não é nada fácil esta luta. Estamos cercados de inimigos interessados em transformar-nos em inimigos de nós próprios, em alimentar dentro de nós as causas da nossa derrota.
Quem dos que aqui se dispõe a estar na frente ainda não foi afectado pelo desânimo?
2014 vai por-nos à prova!
Nelson Mandela será, para nós, um bom exemplo!"

José Gama

28.11.13

Bravos

       “Bravos" (Açores)

Um excerto do último espectáculo dado pelos “Dar De Vaia” em Abril de 2001.
No cavaquinho, José Júlio; na guitarra de 12 cordas, José Alegre; no acordeão, Marinela St. Aubyn; no baixo acústico; Adriano St. Aubyn; na viola, Augusto Miranda; na viola braguesa, Francisco Gil.

30.10.13

António Portugal

      

António Portugal, durante mais de 45 anos, esteve omnipresente em tudo o que se relaciona com a “Canção de Coimbra”.
De 1949 a 1994, criou uma obra ímpar, quer pela qualidade e inovação das suas composições e arranjos, quer pela forma como sabia ensaiar os cantores, e com eles criar uma dinâmica de acompanhamento que o distingue de todos os outros guitarristas do seu tempo. Mas não só: António Portugal deixou, de longe, a mais ampla e completa discografia do Fado e da Guitarra de Coimbra.
Embora de forma esquemática e muito resumida, o percurso musical de António Portugal poderá ser dividido em quatro fases.
A primeira, iniciática, em que António Portugal se aplica na execução e pesquisa da guitarra, e na sua colaboração, já referida, com os maiores e mais importantes nomes da geração de 50.
A segunda, que inicia com a formação do grupo do “Coimbra Quintet, corresponde à transição para a renovação do fado e da guitarra de Coimbra, que culminou com a gravação da “Balada de Outono”, de José Afonso e onde, pela primeira vez ao lado de António Portugal, surge a viola de Rui Pato.
A terceira fase - início dos anos 60 - é fundamentalmente marcada pela canção de intervenção e pelos nomes de Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre. A “Trova do vento que passa”, de que António Portugal é autor da música em conjunto com Adriano Correia de Oliveira, é o hino e o emblema da resistência ao regime e à guerra colonial.
A quarta e última fase, é também a mais longa: é o período da maturidade e da consagração.
Depois do 25 de Abril, António Portugal, que ao longo dos anos tinha sido um activista político persistente e eficaz na luta contra o fascismo, “trocou” temporariamente a guitarra pela política activa, quer na Assembleia Municipal de Coimbra, quer na Assembleia da República, como deputado.
Ultrapassado o período revolucionário de 1975 - em que a onda de contestação não poupou também as tradições coimbrãs - e com o “regresso” de António Brojo ao gosto e ao gozo da Guitarra, reconstituiu-se o grupo dos anos 50 e foi reiniciada uma actividade de intensa participação, quer em espectáculos em Portugal e por todo o mundo, quer numa série de programas para a RTP, quer ainda a gravação de uma colectânea de 6 LP’s, “Tempos de Coimbra - oito décadas no canto e na guitarra”, onde se registam, para a história - desde Augusto Hilário à actualidade - dezenas de fados e guitarradas, fruto de laboriosa e cuidada recolha.
A sua morte interrompeu o seu último projecto, que vinha realizando com António Brojo, sobre a guitarra de Coimbra: ambos os solistas preparavam um duplo album de guitarradas, em que alternadamente se acompanhavam um ao outro, e que já ia a caminho da finalização.
No dia 10 de Junho de 1994, quando se encontrava no Oriente para actuar com o seu grupo nas Comemorações do Dia de Portugal, o Presidente da República, Dr. Mário Soares, atribui-lhe, em Coimbra, a Ordem da Liberdade.
António Portugal não teve a alegria de ver, e ostentar, essa justíssima condecoração porque, à chegada ao aeroporto de Pedras Rubras, foi vitimado por acidente vascular cerebral, morrendo dias depois, em Coimbra.
Como escreveu o conceituado Rui Vieira Nery, na Revista do jornal “Expresso”, “A morte de António Portugal, encarnação modelar da guitarra coimbrã e de toda a tradição que nela se foi condensando ao longo destes dois últimos séculos, deixa-nos aquela espécie de vazio doloroso que é a de uma perda simultaneamente individual e geral. Perdemos um músico excelente que marcou decisivamente a nossa música popular urbana dos anos 60 e 70, mas perdemos também uma trave-mestra desse universo cada vez mais frágil e mais difuso que é o da guitarra portuguesa e, especificamente, o da guitarra de Coimbra”.

(Portal do Fado)