23.11.11

Contos de Fajão

O Morto Que Falou
Uma vez um homem que estava a cortar uma pernada dum castanheiro, ali ao fundo do Reboludo, mas estava sentado na parte que havia de cair.
Passou por ali um almocreve, que vinha para Fajão, e vai aqui assim:
Então o senhor está sentado na pernada que está a cortar?! Está aqui está no chão!
- Qual quê? Eu sei bem o que estou a fazer!
- Ai sim? Então passe muito bem.
E seguiu adiante.
Daí a nada esgalhou a pernada e o homem caiu.
Então pensou : Vou lhe perguntar quando é que eu morro.
Foi a correr e ainda o alcançou.
- Olhe lá, o senhor com certeza é santo: disse que eu caía e caí mesmo.
É capaz de me dizer quando é que eu morro?
- Olhe, o senhor vá, carregue o burro com a lenha, e ponha-o diante a andar para Fajão .
Quando ele der o terceiro traque o senhor morre. O homem foi, cortou a lenha do castanheiro, carregou o burro e pô-lo a andar para Fajão.
Daí a pouco, o burro, ao dar uma passada mais difícil, soltou um traque.
- Mau! disse o homem. Já foi o primeiro.
Um pouco mais acima, noutro passo mais difícil, segundo traque.
- Alto! que isto agora está sério! Já só falta um! Tenho de tomar providências.
Então fez uma rolha de pau e meteu-a no cu do burro, para ver se não vinha o terceiro traque.
Mas ao entrar na calçada do Reboludo, o burro não se conteve, e foi rolha e tudo direito à testa do homem.
O homem caiu atordoado e deu-se por morto.
Os de Fajão, quando viram lá chegar o burro sem o dono, foram à cata dele e encontraram-no estendido. Veio o barbeiro e verificou o óbito. De maneira que, trouxeram um esquife e organizaram o cortejo para o cemitério.
Mas quando chegaram às Almas, onde há dois caminhos, um pela vila e outro directo ao cemitério, começaram a discutir por onde é que o haviam de levar. Uns, porque deve ir pela vila, outros, porque é melhor ir directamente para o cemitério.
Como não chegassem a um acordo, o Pascoal, já meio irritado, teve uma ideia:
- O morto que diga por onde quer que a gente o leve!
Então o morto soergueu-se no esquife e disse com voz do outro mundo: «Eu quando era vivo ia por ali; agora, que estou morto, levem-me por onde quiserem».
E tornou-se a deitar. E lá o levaram por onde ele disse que ia em vida.