1920
Coimbra
Clube dos Lentes
 
Respigos do relato dos acontecimentos, publicado no  livro "Coimbra de Capa e Batina", de Carminé Nobre.
"No rés do chão do edifício, onde se encontra a  Associação Académica, estava miseravelmente instalada a Casa dos Estudantes.  Duas salas e pouco mais. No primeiro andar, amplo e luxuoso, estava o Clube dos  Lentes onde os mestres, instalados em confortáveis sofás, jogavam as  aristocráticas partidas de voltarete.
Vinham de longe as diligências  realizadas pelos estudantes junto da universidade, no sentido de instalar  convenientemente a academia universitária. Baldadamente, pois embora se  reconhecesse a justiça das reclamações apresentadas, surgiam sempre dificuldades  na sua realização. Ansiavam os estudantes da época por uma sede condigna, onde  pudessem receber professores, literatos e homens de ciência. Para tanto,  desejavam possuir uma biblioteca, uma sala de conferências, de jogos, etc., mas  o seu brado, apesar de justo, não encontrou repetidos ecos para lá da Porta  Férrea. Resolveram, então, alguns estudantes da época, agir pelos seus próprios  meios, e num grupo deles surgiu uma ideia: tomar de assalto o Clube dos Lentes e  instalar nas suas salas, a sede da Associação Académica de Coimbra, dando assim  realização a uma velha aspiração da Academia. Eram quarenta os conjurados, que  cegamente obedeciam ao comité central, constituído pelos estudantes Fernandes  Martins, Paulo Evaristo Alves (Padre Paulo) de Direito, Pompeu Cardoso, Augusto  da Fonseca (o Passarinho) e João Rocha de Medicina. Em sucessivas reuniões, o  comité central foi afinando o plano de assalto. Uma delas realizou-se na Torre  de Anto onde a nostalgia de António Nobre pairava ainda em fortes traços de  lirismo. Uma noite, à luz mortiça de um lampião de azeite, velha relíquia de  antigas gerações, o comité central deliberou, definitivamente, fazer o assalto  no primeiro dia de Dezembro, comemorando o feito histórico de igual data, em  1640. Porém, um dia depois chegou ao conhecimento do comité a notícia,  fundamentada ou não, de que a Reitoria apesar de todo o sigilo havido nas  diligências já realizadas, tinha conhecimento do que pretendia fazer-se, e  procurava evitá-lo, inclusivamente auxiliada pela intervenção da força pública.  Uma reunião de urgência levou o comité revolucionário a precaver-se contra  qualquer surpresa da Universidade e, assim, deliberou antecipar o movimento e  marcar a sua realização para a madrugada de 25 de Novembro.
Chegou a noite. O  bairro latino afogava-se em penumbras. Numa casa antiga e em volta de uma mesa  escalavrada, reuniu pela última vez o comité. Nessa noite, o Clube dos Lentes  deixaria de existir na casa da Rua Larga. 
A chuva caía em bátegas, e como se  receasse o êxito desta diligência, que tinha de principiar pelo escalamento da  Porta de Minerva, logo Augusto Fonseca, tranquilo e sorridente, destrui essa  preocupação, afirmando: "a Torre é connosco". Vem a propósito dizer, que a  agitação política daquela época, estendia a sua paixão até aos espíritos mais  humildes. E foi certamente por isso, que o serralheiro Alfredo Garoto, com  oficina na rua das Covas, ao ser peitado em confidência para fazer as chaves  falsas, se apercebeu de que alguma coisa de muito sério se ia passar. E nesta  convicção, interrogou em meia voz:-É contra os talassas? Se é, faço tudo de  graça. Não foi contra os talassas, mas as chaves ainda hoje estão em dívida. Às  6 e 45 da manhã, a explosão de um morteiro sobressaltou a cidade e os estudantes  que se encontravam na Torre ficaram assegurados que o assalto estava consumado.  Repicaram os sinos e logo uma girândola de 101 tiros, lançada das varandas do  antigo Clube dos Lentes, tornado naquele momento Associação Académica de  Coimbra, chamou a Academia à realidade da conquista. Acorreram os estudantes de  todos os lados da cidade. Nas primeiras impressões Coimbra julgou tratar-se de  um movimento político. O dia 25 foi de festa rija para a Academia. Ao rasar da  noite, partiu da Alta com destino à Baixa - a via sacra do estudante - uma  marcha luminosa (hoje recordada como o cortejo dos archotes) com milhares de  pessoas, pois a cidade associou-se. E quando outra madrugada rompeu ainda no  bairro latino se ouvia o grito heróico da conquista:- Viva a Academia! Era ao  tempo Presidente da República, o grande tribuno e eminente cidadão Dr. António  José de Almeida, Presidente do Concelho Dr. Álvaro de Castro, e Ministro da  Instrução Dr. Júlio Dantas, a quem a Academia enviou a comunicação telegráfica  de que se encontrava instalada na sua nova sede, manifestando também, o seu mais  ardente desejo na constante prosperidade de Portugal. Estas três  individualidades, desconhecendo o que se passava e julgando, possivelmente que a  Academia de Coimbra se instalara pacificamente e com conhecimento da  Universidade na sua nova sede, responderam aos cumprimentos recebidos,  retribuindo calorosamente e desejando todas as felicidades à esperançosa  Academia de Coimbra."