10.12.11

Ainda da Lisonja à Lei dos Graves

zedaniellisonja_graves
Abrunheiro - Coimbra / 1994
Do pântano de outrora, resta a secura do chão, todo ele gretado, a toda a extensão que os olhos persigam. É a vileza do deserto denunciada há muito. Ou será a ameaça, antes promessa tão vicejante como o cristal das risadas infantis em liberdade, a consumar-se. Ou ainda a sensação inimaginável de cócegas, desde sempre conservadas na lembrança, se nos fosse concedida a puerilidade de pisar e repisar esse mesmo chão definido por medonhas gretas com os pés a nu, o que equivale a dizer tão descalços e libertos de calos como à nascença.
Qual máscara aquém da queda iminente, a tela devolve o dia à noite e o sol é a lua. Mas persiste a sombra estendida na terra, que nem lençol por demais puído a corar no areal. E mais uma vez em pose (porque é já recorrente, ainda que obscura, esta evocação dos versículos da fruta roubada e mordiscada pelos primatas iniciais), a nudez personificável como hipótese de tentação, e tão ali à mão, que se lhe toca.
Ajuste-se então o ludíbrio à ficção da realidade, e o deserto tornará a vicejar para repouso, ou repasto, de quem nas lendas acredite ainda.
josé daniel abrunheiro