O BURRO MATA-LOBOS
Era uma vez um almocreve que tinha um burro já velho e podre e queria desfazer-se dele. Então, quando vinha das Voltinhas para cima, vinha tocando o burro e dizendo: arre burro, mata-lobos, vai à serra e mata-os todos. O Pascoal, que andava na sua propriedade no Reboludo, ao ouvir aquilo, veio à pressa para a vila, e reuniu com todos os donos de rebanhos, para comprarem o burro que matava os lobos.
Todos concordaram em comprar o burro e foram ter com o almocreve, para ver quanto é que ele queria pelo animal. O almocreve o que queria era vendê-lo, mas fez-se rogado, para lhe render mais. Por fim assentaram no preço: trinta mil réis e uma carga de presuntos. E lá compraram o burro que matava os lobos. Então formaram entre todos uma escala, para cada dia lá ir um prender o burro no alto da serra. Como não havia árvores levavam uma estaca e uma corda comprida, para o burro, de noite, apanhar os lobos. O que lá foi no primeiro dia não espetou bem a estaca. Alta noite os lobos atacaram o burro, e ele foge espavorido para a vila, arrancando a estaca e arrastando a estaca, até chegar ao adro da igreja. Por acaso a porta da igreja estava aberta, e o burro refugiou-se lá dentro. Mas um lobo que vinha a persegui-lo entrou também, e o burro deu a volta pela capela-mor e saiu pela porta principal. Como levava a corda de rastos, e a estaca atravessada na ponta da corda, a estaca fechou as duas meias portas, de modo que o lobo ficou fechado dentro da igreja. Ora naquele tempo a corda do sino era uma videira comprida, ainda com folhas verdes. O burro, coitado, estava cheio de fome e começou a roer as folhas da videira, e o sino começou a tocar. E quanto mais o burro roía, mais o sino tocava. Acorda todo o povo que, espavorido, acorre ao adro. Ao verem aquele espectáculo, ficaram pasmados e disseram: ai que inteligência! Abençoado dinheiro que a gente deu pelo burrinho! Mete o lobo na igreja, fecha-lhe a porta e toca o sino para a gente ver a inteligência dele!
Depois foram buscar uma escada, subiram ao telhado, desviaram as telhas e, com o auxílio da luz da lâmpada, viram lá em baixo o lobo. Então o Pascoal desceu ao coro, e não esteve com meias medidas: pegou num arado, (porque era no coro que guardavam os arados e as grades), pegou portanto num arado e pô-lo ao ombro, para o atirar para cima do lobo. Mas esqueceu-se de lhe tirar o chavelhão, de modo que, ao atirar o arado, o chavalhão prendeu-se ao pescoço ou ao fato do Pascoal, e lá vai ele do coro abaixo juntamente com o arado.
Então começaram todos a gritar: ai que lá come o home o lobo!
Resolveram então abrir as portas da igreja, enquanto outros se preparavam com enxadões, sacholas e forquilhas para apanharem o lobo. Mas não tiveram sorte, porque o lobo, quando apanhou a porta aberta, deu um salto por cima deles, mijando-lhes até para cima, e ó patas, para que te quero.